Depois da entrevista com o Gabeira no post anterior, publico agora uma entrevista com o Fernando Henrique Cardoso na revista Status em 1978, quando ele se candidatou a senador por São Paulo pelo MDB. Ele não ganhou, mas se tornou suplente de Franco Montoro. FHC só iria tomar posse do cargo dois anos depois (essa matéria do Brasil 247 diz que foram 4 anos depois), quando Montoro renunciou ao cargo para concorrer ao cargo do governo de São Paulo. Como aponta a Wikipedia:
Em 1978, FHC saiu dos bastidores acadêmicos da política e começa daí a participar em campanhas políticas pessoalmente. Naquele ano, lançou-se candidato ao Senado por São Paulo. Sua candidatura foi apoiada pela esquerda, por parcelas da classe média mais liberal, por artistas (como Chico Buarque de Holanda), e por lideranças sindicais (como o então sindicalista Luiz Inácio da Silva, que chegou a representa-lo em comícios). FHC teve 1,2 milhões de votos, tornando-se suplente de Franco Montoro — o qual foi o responsável por conduzir FHC efetivamente à vida pública — , eleito na mesma disputa senador por São Paulo.
Em 1980, quando se extinguiu o bipartidarismo e autorizou-se o multipartidarismo, FHC filiou-se ao PMDB, partido que era o sucessor natural do antigo MDB. FHC assume uma cadeira no Senado em 1983, quando Montoro renunciou ao mandato de senador para assumir o governo de São Paulo.
Então a entrevista para a Status aconteceu justamente no momento que FHC se lançou efetivamente no meio político, o que é algo bem bacana. Não encontrei esse material em outra parte da internet, então acredito que transcrevê-la seja algo bom para o debate político em geral. A entrevista foi realizada por Jorge Cunha Lima (acho que esse daqui). Segue ela abaixo:
O intelectual Fernando Henrique Cardoso, filho e neto de generais, fala de militares, de estudantes, do futuro político do país… Entrevista a Jorge da Cunha Lima.
Fernando Henrique Cardoso afirma enfaticamente que não é função do intelectual soprar no ouvido do príncipe, muito menos no dos líderes sindicais. Mas o que o professor eleito para a cátedra “Simon Bolivar”, por dois anos, na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, não consegue evitar, como intelectual, é que ele próprio seja considerado “o príncipe dos sociólogos brasileiros”.
Essa incomparável carreira universitária, quase inimaginável nos padrões de ensino atuais, que o levou a ser membro do Institute for Advanced Study, em Princeton, nos Estados Unidos, o mesmo que oferecia todas as condições de trabalho às reflexões de Albert Einstein, deve-se ao latim. Mal versado nessa língua, ele desistiu da faculdade de direito para cursar exclusivamente a de filosofia, o que, aliás, teve magníficas conseqüências para a cultura brasileira.
Um político amigo acha que Deus foi exagerado nas qualidades que conferiu ao neto do alferes Joaquim Ignácio Batista Cardoso, marechal fiel a Floriano Peixoto. De fato, alguns dos seus títulos — catedrático de ciências políticas, livre-docente em sociologia, doutor em ciência política e filosofia, professor de sociologia em Buenos Aires, em Santiago e em Paris — enchem páginas de um currículo sério e imponente. Foi até professor do irrequieto aluno Cohn Bendit, líder do movimento de maio na França, quando este cursava o segundo ano na Universidad de Nanterre.
Status — Como se explica o fenômeno Fernando Henrique Cardoso?
FHC — Meu pai foi militar como toda a minha família. Meu avô foi marechal Republicano, quando Floriano subiu ao poder, ele subiu junto. Até morava no velho palácio que depois ficou do Itamaraty. Como Floriano, era exaltadamente democrata. No fundo, era uma gente ligada à burocracia, ao Estado. E meu bisavô já tinha sido senado, em Goiás.
Então o Senado já é uma “tradição” da família?
É. Mas uma tradição local. Mas essa vida militar foi o tipo de influência que nós tínhamos. Meu pai acompanhava o Floriano na Praia Vermelha, onde assistiam às manobras da esquadra que queria bombardear o Rio. Então aprendemos que o Estado podia fazer essas e outras coisas que havia uma pátria que devia ser defendida, uma escravidão que deveria ter sido abolida.
E essas eram as opiniões dos militares?
Os militares eram contra os chamados “cartolas”, contra a oligarquia exportadora paulista, mas achando que São Paulo tinha o seu lado bom, como o velho Glicério da dissidência republicana, que meu avô conheceu quando veio organizar a Força Pública de São Paulo. Quando subiu Prudente, meu avô foi despachado para Mato Grosso.
E a formação de seu pai?
Meu pai também era militar, com as origens de 22. Ele e meu avô, todos estavam na revolução. Enfim, essa geração toda que deu Juarez Távora, Prestes, Cordeiro de Farias. Mas meu pai, além de militar, formou-se em direito, tendo, portanto, uma formação diversificada. Na Revolução de 1930 ele estava a favor; mas, depois, achou que a turma “estava aproveitando muito”, e, em 1932, eu acho que ele ficou mais a favor de São Paulo, por razões morais, apesar de meu tio-avô, general Espírito Santo Cardoso, estar do outro lado, como ministro da Guerra que era.
E quais eram os seus interesses?
Nunca tive tentação forte para ser militar, porque meu pai já tinha deixado de ser. Meus interesses eram outros. Fui para a faculdade de filosofia por influência de um professor secundário que tinha sido aluno dos “franceses”. Eu não tinha muita noção do que era o curso de ciências sociais, mas em interessava pelos assuntos brasileiros, principalmente por influência de um parente nosso, general Horta Barbosa, que tinha em sua casa um vidrinho de petróleo brasileiro. Assim, entramos todos na campanha, até com um jornalzinho da escola secundária.
Ninguém sabia muito o que era sociologia naquele tempo…
Até hoje ninguém sabe muito. Eu me interessava mais pela literatura. Tinha um contato com Décio Pignatary, com o Boris Fausto e os irmãos Campos, e até ajudei uma revistinha deles: Revista dos Novíssimos.
E a famosa faculdade?
Tinha um ambiente absolutamente singular. O que “nós fizemos mais tarde” se deve ao que foi realmente o clima da faculdade, esse black-ground progressista que mudou o tom dos meus interesses. Essa faculdade criada curiosamente depois da derrota de 32 por Armando Salles e pelo pessoal do jornal O Estado de S. Paulo, da mesma forma que a escola de sociologia o foi pela turma do Roberto Simonsen. Eles pretendiam criar uma elite capaz de compreender o que estava acontecendo.
E como funcionava essa faculdade?
Desde a fundação, começaram a vir para cá os famosos professores estrangeiros, principalmente os franceses. A geração de Antônio Cândido e Florestan Fernandes pegou a fase áurea, até 1938. Eu, que sou de 1931, ainda peguei uma parte deles. Quando eu estava no segundo ano, todos os cursos eram dados em francês. Coisa que hoje nem se imagina. Fui aluno de Roger Bastide, Paulo Ugon, Wolf, Mazaré. O clima vinha desses homens e dos que já haviam feito a faculdade, como Antônio Cândido, Fernando Azevedo e Florestan, professor que naquele tempo me influenciava.
Mas vocês foram uns privilegiados?
De fato, éramos uns doze ou quinze por classe. Eu não tinha maiores preocupações políticas, a preocupação era de estudar. Florestan era muito exigente. Exigia um padrão científico aliado à preocupação com a realidade nacional, e o Bastide o acompanhava nisso. Tinha amor pelo que estava acontecendo.
Foi fácil o encontro com esse espírito científico?
Não. Houve um desencontro. Nós entramos para lá com idéias políticas. O Brasil, o povo, os ideais socialistas. E o professor Guerrault, especialista em Descartes, em pleno curso de ciências sociais, nos ministrava o mesmo currículo que dava no Collège de France, sobre Descartes e Kant. Eu ouvindo as leituras da “singularidade no pensamento de Descartes”, com dezessete anos. Se não fosse o professor Lívio Teixeira que nos retransmitia as aulas, decididamente não teríamos podido acompanhar Kant. Só se passava do 1° para o 2° ano com “As regras do método” lidas.
E o que você lucrou com isso?
Isso dava uma certa formação, embora eu não seja filósofo. Eu sei ler um texto. Todos, aliás. Quem não teve essa formação cultural não mistura alhos com bugalhos. Se você tem uma boa formação, você também não desafina. Quando você está lendo um texto, não imputa ao autor a sua idéia. Você não procura ver no autor os seus problemas; você tenta entender o que ele quis colocar. Isso é um método. Tanto faz o autor, Hegel, Marx, Kant.
E todo o curso era nesse nível?
Ao mesmo tempo que Roger Bastide nos fazia ler a obra de Bergson e fazer a comparação entre a noção de liberdade em Bergson e Manheim, Florestan nos exigia um esforço no sentido de entender o Brasil. Ambos tentavam valorizar as técnicas de pesquisa e acabar com o sentido ensaístico em sociologia. Juntos íamos para as favelas, onde, mascando um charuto e arrastando um português afrancesado, Bastide se fazia entender perfeitamente. Isso nos motivava bastante para que tivéssemos uma atitude positiva com relação À pesquisa. Você vê: foram influências desencontradas — uma lá em cima, de filosofia, outra na favela, a sociologia empírica.
Vocês foram os beneficiários da guerra…
Além da vinda dos franceses, nós indiretamente também fomos beneficiários de outra coisa da Guerra Civil espanhola. Ela botou da para fora uma enorme quantidade de intelectuais de primeira linha que foram para o México, e lá organizaram o Fondo de Cultura Economica que até hoje é uma das maiores editoras mexicanas. Eles traduziram todos os textos alemães: Marx, Manheim e tudo o que havia de importante na sociologia alemã. Sem eles, isso nunca chegaria aqui.
Um esquema desses pode mudar os rumos da cultura?
É realmente significativo o que pode fazer, não uma pessoa, mas uma geração, e as que se sucedem. Antônio Cândido foi o produto mais harmonioso da faculdade. De fato, pode-se exercer uma influência enorme. E isso é um problema que a universidade tem hoje no Brasil. Essa coisa que eu descrevi é obviamente uma educação de elite. Não dá mais para manter. De alguma maneira os objetivos da reforma universitária foram solicitados por nós mesmos. Essa mesma elite resolveu se preocupar com o outro lado da questão em vez de ficar elitista: Fernando Azevedo, Octávio Ianni, Antônio Cândido e vários outros resolveram se preocupar com o povo.
E a universidade hoje?
Resolveu se massificar. Milhares fazendo vestibular. Isso é um sinal positivo. Mas a universidade não foi capaz de se transformar. Ela não se preparou para o ensino de massa. Perdeu um pouco o sentido mas continua funcionando bem em vários setores. Continua produzindo suas teses. Mas com a pressão da opressão externa — com a incapacidade de levar adiante a integração com os problemas do país, os problemas populares e simultaneamente o ensino de massa — isso vai ter efeitos desastrados.
O que era fundamental?
A pedra angulas da formação da gente era fazer a tese. Sistema misto do francês. Fazer a grande tese. A teses d’Etat. Dessas, cujos livros ficam de pé, como as nossas. A Guerra dos Tupinambás, de Florestan, é um livro básico. Os Parceiros do Rio Bonito, de Antônio Cândido, é um livro que fica. A gente fazia o trabalho. Formamos um grupo que tinha ofício. Nós temos um ofício. Não é questão de você ter talento. É ter um ofício, ofício de escritor. Ofício de fazer pesquisa. E tudo se fazia aqui. Só depois se ia para o exterior.
E na Europa, o que você aprendeu?
Eu, pessoalmente, não aprendi muita coisa no sentido de formação. Aprendi com o Tourraine, catedrático de sociologia na École de Hautes Études, que já havia estado no Brasilo, onde exerceu grande influência, por ser o primeiro a discutir o tema dos operários. Quando ele pegou nossos trabalhos sobre a classe operária em 58, disse: “Cuidado, vocês pensam que estão na Europa. Isso aqui (referia-se ao Brasil e à América Latina em geral). É uma sociedade onde os temas são outros. Há um movimento de formação da nação. E, prestem atenção: esse populismo que está aí vocês têm que analisá-lo positivamente, para não pensar que é populismo e, portanto, não é consciência de classe”.
E o intelectual nisso tudo?
Ser intelectual é você ser capaz de problematizar. Se você não tem problemas, você não é intelectual. A nossa questão é saber qual é o problema do Brasil. A força de um intelectual não é ele ser capaz de citar um autor, isso ou aquilo. É ele ser capaz de fazer as perguntas pertinentes, filtrando a sua experiência cultural diante de uma realidade que o desafia. Se você não é capaz de ter dúvidas, você não é intelectual. A definição do caipira, com maldade para o caipira, é do homem que não se espanta. A praça Vendome para ele é igualzinho que nem Xiririca. Mas isso de se espantar não depende só de você, mas de a sociedade estar colocando problemas que te levam à dúvida.
E a sua geração se questionou?
Nós saímos muito acadêmicos da faculdade. Depois de Jânio na Prefeitura você assiste à queda de Getúlio em 54. Há tentativas de gole em 54 e depois em 55. Tem o novembro de 55 e vem o Juscelino. É uma fase intenso movimento popular, panela vazia e outras passeatas. Havia forte pressão social como hoje. Então, nós podemos pensar que estamos na Europa, que a classe operária vai se fortalecer e que o populismo vai perder vigência e que você vai ter um comportamento mais de classe do que de massa. Essa é a grande discussão. Como naquele tempo foi a do nacionalismo, o problema dos partidos e o Iseb que colocava questões que não estavam nos nossos textos. É fácil dizer que o problema do nacionalismo é um problema burguês. Mas esse problema mexe com o Exército, a classe média, com os sindicatos, estudantes e grande parte do povo. Nós saímos da academia quando percebemos que a sociedade brasileira começou a colocar questões. Já a minha tese de livre-docência, diferente da anterior que explicava como se aplicam os métodos dialéticos, é sobre os empresários, como a do Octávio Ianni foi sobre o Estado.
E isso mudou a visão?
Com a Florestan e Tourraine fizemos estudos sobre sociologia industrial do trabalho. Nas pesquisas eu vi queas idéias que eu tinha sobre os empresários não funcionavam. As idéias eram as seguintes: vai haver um empresariado nacionalista que vai se transformar o país em aliança com a classe operária e o povo e tal… Verifiquei que a idéia era outra: eles já estavam entrando em associação com empresários estrangeiros em geral e americanos em particular e que já tinham medo do Estado, naquela época.
E como vocês saíram do casulo?
Depois veio 64. Eu já tinha bastante leitura. Tinha publicado, mas basicamente no Brasil. Tinha um convite anterior e fui para o Chile, para a Cepal. Já tinha estado na Europa, sofrido muito influência externa, mas não tinha influenciado lá fora. Entendi então a especificidade da situação latin-americana. A Cepal contribuiu para que pensássemos nisso aqui e não na teoria clássica do desenvolvimento, em vez de dizer que a divisão internacional do trabalho resolve tudo. Como resolve? Se nós exportamos produtos agrícolas e importamos produtos industriais, e se há uma diferença de valor do trabalho metido com esses dois, que se perde na troca?
E quais foram os benefícios dessa abertura?
Vimos que os problemas que nos parecia brasileiros não eram apenas brasileiros, eram latino-americanos. Na minha geração, havia uma idéia de que nós não temos nada a ver com a América Latina, a ilusão de pensar que não somos latino-americanos. Celso Furtado já tinha passado por isso e, então, sucessivamente, pela primeira vez na história intelectual do Brasil, nossa consciência consistentemente se latinizou. E hoje eu vendo mais os meus livros fora do Brasil, com traduções espanholas, alemãs, francesas e americanas. O que Dependência e Desenvolvimento na América Latina diz é que não se pode pensar nisso tudo sem a teoria científica, mas que isso tudo tem de ser recriado em função das perguntas pertinentes a situações reais. “As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”.

Como é que elas gorjeiam aqui?
Qualquer processo importante no Brasil começa de pernas para o ar. Veja a industrialização. Nós não produzimos os primeiros produtos da história da industrialização. Nós demos um salto. Aqui não se dá a revolução lenta da descoberta, da apropriação da descoberta. Aqui a história é síntese. No caso da América Latina sobre os grandes momentos de transformação a gente deve se indagar como é que o mesmo é diferente?
E como é que se explica o grande atraso político?
Essa é uma coisa importante e cruel. Mas mostra perfeitamente que o poder não é igual à inteligência. É um processo bastante dissociado. E talvez até os fracassos na escala do poder seja cúmplices do ponto de vista da imaginação, da intelligentsia. Por que fracassamos? No livrinho, eu pergunto: O que aconteceu na América Latina? Houve a industrialização, o Estado se fortaleceu. Entretanto, não acontece o que a teoria da modernização dizia: que o conjunto da sociedade vai se transformar, que haverá uma democratização, que haverá uma esfera política mais integrada com a esfera econômica etc. Nem aconteceu o fato de que disso vai derivar a independência nacional. Nem uma coisa nem outra.
Então houve a causa e não houve o efeito?
É isso mesmo. O que aconteceu? Alguns dizem que não aconteceu, porque tal classe não cumpriu o seu papel, que a burguesia nacional também não desempenhou. Não é verdade. As burguesias nacionais americanas acumularam, capitalizaram e cresceram muito. O que elas não fizeram foi a independência nacional tal qual as ideologias nacionalistas propunham. Mas, o bem material delas, elas fizeram. Outros diziam que não vai haver desenvolvimento, que o que houve foi um desenvolvimento do subdesenvolvimento. Eu não acho isso. Está havendo um crescimento real. Nós estamos tendo um tipo de desenvolvimento que é dependente e associado. Dependente quer dizer: a tecnologia não é nossa. Vem de lá. Os capitais também dependem do circuito internacional. Mas ela é associada através das joint ventures, das empresas privadas com as privadas, e das estatais com as multinacionais. Isso dá um tipo de crescimento. Novo. Por quê? Porque as teorias diziam: ou bem o capitalismo vai se espalhar no mundo e se homogeneizar, crescer igual, dar os mesmos frutos, cidadania etc., que é a teoria liberal otimista — diziam — ou que era impossível haver crescimento porque havia espoliação. Então a periferia não vai, porque o imperialismo colonializa e não deixa crescer. Não deu cara nem coroa. Não houve nada disso.
Como se pode entender o Brasil nisso tudo?
O Brasil está crescendo, se desenvolvendo. Igual ao que está dando nos Estados Unidos. Não é o desenvolvimento lento e progressivo da Europa. O capital nasce aqui sob a forma oligopólica, com grandes unidades de produção e grandes empresas. Mas não se homogeiniza essa sociedade como a norte-americana. E não há um breque possível nesse tipo de desenvolvimento num prazo previsível.
E em termos de civilização?
Aí é outra coisa. Pode ser que haja uma decadência da civilização, uma hecatombe, uma ruptura ecológica. Não havendo grandes opções desse gênero, num prazo previsível, uma década ou duas, eu não vejo nenhuma força de contenção. Pelo contrário. Vamos crescer ainda mais no Brasil. Não podemos nos esquecer desse tamanho territorial, essa base física. Quantos países têm, como o Brasil, uma fronteira agrícola em expansão? Isso é um amortecedor das pressões sociais. Nos século 19, a Europa botou para fora 60 milhões de pessoas. Aqui temos uma superexploração de um lado e simultaneamente o que há de mais avançado. E muita fronteira disponível. E eu pergunto: o que é uma teoria política para isso tudo? Para o povo? Que povo? O do Nordeste? O da Amazônia? Como juntar as aspirações de todo mundo num só projeto?
Como crescer nesse contexto?
Há um processo de crescimento, por mais cruel que ele seja. No governo Médici, houve mortalidade infantil, contenção salarial e tudo mais, mas isso não impediu que houvesse mobilidade social. Então você tem ao mesmo tempo mobilidade e exploração. Você tem uma classe média que consome, uma expectativa de consumo em certos segmentos da classe popular e muita miséria do outro lado. Você falou em fracasso da nossa geração. Eu acho que pelo menos intelectualmente nós entendemos o que está acontecendo. O que está havendo aqui é o desenvolvimento sob a forma oligopólica do capitalismo. O que significa: grande unidade de produção e o Estado. Não existe capitalismo oligopólico sem que o Estado esteja metido no próprio coração do crescimento. Daí, essa briga entre o setor privado e o setor público que, a meu ver, é um pouco falsa. Ela é verdadeira por um ângulo, o daqueles que são eliminados, mas os outros sabem que sem o Estado não vão para a frente.
O Estado forte não ajuda esse capital privado?
Não tenha dúvida. O capital privado precisa do Estado forte. E a nossa pergunta é essa: dá para fazer democracia com um capitalismo oligopólico? O problema está aflorando. Nós sentimos democracia na forma liberal que é necessária. Mas não basta. É preciso uma democracia sbustantiva: entender as necessidades da massa (incluindo entre as necessidades a liberdade); pleno emprego, saúde, mobilidade, educação, participação efetiva. Mas não basta isso ser só no sistema político, na eleição. Cada vez menos no mundo moderno os parlamentos decidem sobre coisas importantes. Então é participação no parlamento e fora dele. Se você quer democracia, é tão importante quanto saber se vai haver um, dois ou três partidos, saber quem tem acesso à televisão. A facção que tem acesso à televisão tem acesso à informação da massa.
Há possibilidade de convivência de um sistema de poderes concentrados pela burguesia com o sistema democrático?
Nos Estados Unidos há alguma. Na Europa, também. Embora nos Estados Unidos não ha sistema estatista. No Brasil, democratizar significa democratizar o Estado. Mesmo que você vote livremente amanhã, sem cassados etc., se os deputados forem ter as funções que eles têm hoje, isso não muda muito a questão. As decisões importantes não passam pela Câmara. Democratizar é você dar acesso ao público, para o público controlar a decisão. Nas democracias avançadas, não é pela propriedade que você define se uma grande empresa é pública ou privada. Quando ela tem interesse público, ela é submetida ao seu controle. Isso é democracia.
Você não acha que certos escalões do Exército entenderam o papel do Estado?
Entenderam mais depressa do que as oposições. Entenderam e utilizam esse papel do Estado. Isso quer dizer que não basta democracia liberal. Não se é contra o liberalismo, mas há um aspecto da economia liberal que é velho mesmo. É quando se quer ver o Estado e a Sociedade separados. O Estado com funções mínimas, para ele. Tanto no regime socialista quanto no capitalismo, o Estado cresce. Não adianta mandar parar de crescer. O que é preciso é ver como é que você controla o Estado. E não que ele continue instrumento de uma burocracia e de uma oligarquia. Aqui ele é instrumento simultâneo de uma burocracia militar e civil e de uma plutocracia que também se beneficia. Democratizar é transformar tudo isso numa questão pública.
E no plano cultural?
Hoje, bem ou mal, você tem uma classe média que tem informações. A universidade há vinte anos tinha 100 mil estudantes. Hoje tem 1 milhão e 400 mil. O verdadeiro milagre brasileiro acontece através da universidade: porque a universidade é ruim, mas o estudante passar por ela e melhora. O que mostra que não é só no ensino que se aprende, mas na convivência. Na sociedade contemporânea você não consegue mover a sociedade somente através do pão.
Você esteve na Europa em maio de 1968?
Eu era professor de teoria da sociologia, em Nanterre, um departamento muito bom da Universidade de Paris, com Alain Tourraine, Coziet, Lefebvre e outros grandes nomes da sociologia francesa atual. Naquela época, eu dava aula para o grupo do Cohn Bendit. O que aconteceu naquela época? Aqueles alunos sabiam muito pouco de marxismo, e eu dava aula sobre Weber, Marx. Marcuse, eles já tinham ouvido falar mas não tinham lido. Marcuse só foi traduzido na França em 1968 exatamente. Em inglês ninguém lia. Pois foram esses alunos que fizeram o movimento de 22 de março que se notabilizou no mundo inteiro. Quando você olha o que eles escreviam nos muros naquela época, não há nada sobre lutas de classe. Nada sobre imperialismo.
E os operários?
Vinham à universidade e assistiam um pouco atônitos às discussões. O operário francês é operário, não é igual aos estudantes. É de outro mundo. No fim, você não explica o que aconteceu na França pelos estudantes, porque, afinal os operários ocuparam as f´bricas. Havia na França duas reivindicações, as salariais e sociais, e as reivindicações culturais, mais existenciais. Isso me deu uma certa idéia do mundo moderno: eu via aquelas passeatas enormes, nas quais o pessoal saía com bandeiras negras do anarquismo e cantava a Internacional, que dizia: “de pés, famélicos do mundo”, todos bem nutridos, bem vestidos, desfilado em Paris.
Que revolta era essa?
Não era a revolta de Marcuse. Esse achava que a revolta viria dos guetos, do Vietnã. Era uma revolta norte-americana, de uma forte realidade americana, não era a revolta francesa. Não foram os guetos que falaram na França. Foi a classe média e a classe operária. Por isso, Marcuse espantou os professores franceses, pois ele esteve conosco naqueles dias de maio, ao dizer aos jovens assistentes de Nanterre: — vocês precisam ler Platão.
E o que isso tem a ver com o Brasil?
Passados dez anos, tanto aqui como lá esses problemas não estão resolvidos. No Brasil, embora haja a Amazônia e os bóias-frias, há uma classe média, que é como se você estivesse em Paris. Movimento feminista, comunicação visual muito rápida. Para decifrar o enigma brasileiro você tem que juntar reivindicações , que são da classe media, com as que são da classe operaria, misturando-as com ecologia, modernidade, etc. Aqui, em 68, havia o ideal da revolução rápida e por via militar. O golpe forte. A ideia de quebrar e instaurar o mundo novo. La, não havia isso em nível político, mas em nível existencial. E você continua sem teoria para esses problemas. Nos ainda estamos usando as teorias do século 19. Tudo o que se generaliza perde a forca. Hoje, na universidade, nos setores de ciências humanas, quase todos são marxistas, mas não sabem o que falam. Quer dizer que Marx falava de uma realidade muito viva, a perspectiva da transformação através da classe operaria. Tinha o exemplo da comuna, da revolução de 48, a expectativa da crise mundial, e o Estado que não entrava na jogada. Hoje, nos setores intelectuais, as pessoas continuam excitadas com as mesmas ideias e o mundo não é mais esse. Não é que não hajam mais revoluções, transformações. Mas nos já não estamos no século 19. Estamos marchando para o 21, e não temos teoria para isso.
O Ocidente não esta sem vetor político?
Eu acho. Mas veja, vou formular de outra maneira. A nossa geração sentiu a crise dos modelos de transformação. Nos anos 20 tem a revolução socialista. Nos anos 30, os processos de Moscou. Nos anos 50, a crise da Hungria. Depois, aquele universo concentracionário. Então vai diminuindo o poder de atração do modelo. Tinha o modelo da China, de sobra. Um socialismo parco, mas decente. Isso deu sobrevida a muita energia política. Que aconteceu? Veio a camarilha dos 4, entre aspas. Mudanças bruscas. Na América Latina, o que teve mais forca foi o mito de Cuba. Mas veio de lá toda a experiência de guerrilha que fracassou. Então hoje você tem um mundo em que a transformação não tem modelo galvanizador.
E a permanência do capitalismo não tem sido mais frequente do que as transformações, em concordata?
E um dado real, mas se você quiser ver a historia num enfoque a la Toynbee, do fim do século para cá, verificaremos que o capitalismo esta diminuindo, não se expandiu. O que você não tem são os modelos de fazer o que. Por que Carter esta dando um certo charme ao capitalismo? Porque faltam idéias-força, falta no que crer.
O socialismo europeu, o eurocomunismo esta apresentando alguma novidade?
São adaptações, mas com novidade. Seria simplista imaginar que o eurocomunismo seria uma pratica para enganar capitalista, ou apenas uma adaptação, uma vacilação ou uma traição das lideranças e dos ideais comunistas. Não é isso. É que a classe operaria europeia aceitou os valores do parlamentarismo, da Republica parlamentar. O Gramsci ja tinha visto isso, há muito tempo. Qual era a discussão? O que aconteceu na União Soviética se entende, no mundo Oriental; agora, no Ocidente não é assim. E a Itália não é uma coisa nem outra (na época dele, pois hoje a Itália esta mais homogeneizada no capitalismo). O que eu acho que o eurocomunismo faz é tentar ver como é possível ter uma posição socialista, de esquerda, comunista, num mundo que não aceita a ditadura, sequer a ditadura do proletariado. Hoje o Partido Comunista Italiano não exige que as pessoas sejam comunistas para serem membros. O que os intelectuais precisam se indagar é: Qual é a nossa? Como é que se pode organizar e mudar a sociedade?
E a chamada revolução comportamental?
Foi um passing by. Tentativa de passar por cima. Mas fracassou. Não fomos capazes de sintetizar o impulso de liberação do comportamento e as transformações sociais. Resultou essa irritação reciproca: os que são militantes desprezando os que querem um novo modo de vida, e os que vivem esse modo, desprezando os militantes.
Nesse quadro, quais as marcas brasileiras que ainda pesam hoje?
Até hoje pesa sobre nos a escravidão. Somos uma sociedade autoritária. Em nossas relações nos somos ao mesmo tempo cordiais e autoritários. Isso é escravidão. Saint Hilaire dizia que as mulheres brasileiras, no século 19, gritavam quando falavam. Elas estavam acostumadas a mandar nos escravos.
E na política?
O autoritarismo político é reforçado pelo autoritarismo, que é social. E esse é um caráter bem anterior aos nossos dias. Além do que somos um pais que teve a sua transformação econômica, empresarial, sem a revolução burguesa, no sentido pleno da palavra. Tudo se deu num tremendo sistema de acomodação das classes dominantes. É um autoritarismo para baixo, enquanto é conciliador ao nível da classe dominante. Na Europa houve a Revolução Francesa; nos Estados Unidos, a Guerra da Secessão. Aqui, é certo, você teve a Republica: o setor cafeicultor que não tinha escravos predominou sobre o outro. Mas ambos incorporam o imigrante. E o preto ficou marginalizado. A Republica incorporou os setores aristocráticos que lhe faziam oposição. Rodrigues Alves, conselheiro do Império, na Republica foi presidente da Republica.
E isso é brasileiro?
Vou dar um exemplo. Nos Estados Unidos, ninguém entra na zona dos guetos, senão leva paulada. Os guetos se defendem. Aqui, você leva turistas para ver as favelas.
E como mudar as coisas?
Numa sociedade de base oligopólica, você não pode dar as costas para o Estado e para a política. Dai a importância do partidos políticos. Dai o perigo do preconceito antipartido. Aqueles que pensam que só tem a olhar para a base da sociedade. Isso pode deslocar a luta de sua arena, que é o Estado.
Quais os benefícios e malefícios da Revolução de 64, nesse aspecto?
Eu não falaria em benefícios. Mas ela acelerou as transformações econômicas. Acelerou o crescimento que já era tendencial. As grandes linhas de desenvolvimento não foram feitas em 64, mas antes, com Getúlio, Juscelino e por aí afora. É preciso um pouco mais de perspectiva histórica para saber o que realmente ocorreu. Mas é óbvio que eles souberam pilotar no sentido do desenvolvimento. Esse crescimento é baseado no oligopólio, na exploração do trabalho e na concentração de rendas. Mas, o mal, mesmo, foi a revolução não ter, em certos momentos, cortado os nós górdios, ou seja, foi reposto todo o sistema autoritário tradicional. Nenhum passo foi dado, não digo no sentido da esquerda, do socialismo, mas não foi dado um passo sequer no sentido da modernização capitalista, dentro da sociedade.
Por isso, não resolveram o sistema político. Fizeram uma montagem do estilo tradicional. A versão nova do “bico de pena”. Tudo vem de cima para baixo, como na Republica Velha. Estamos na Republica oligárquica, só que essa oligarquia agora é composta por plutocratas, dos grandes bancos e de burocratas, unidos na tarefa de deter a marcha da participação popular.
Até que ponto há eficiência nesse processo?
Eles podem criar um partido da ordem estabelecida que seja mais modernizador. Contudo não é ainda o que eles estão fazendo. A montagem ainda não é essa.
E as oposições?
Também tem que chegar a isso. Tem que formar os partidos contemporâneos para juntar os assalariados, em termos de reivindicações sociais e culturais. E é simultâneo esse negocio. Tem que elaborar um estratégia de transformação que pegue a classe media, o pessoal do campo e os trabalhadores que tem reivindicações muito diferentes. Eu no acredito que a teoria tradicional dos partidos resolva isso. A sociedade é muito heterogênea para suportar um partido desse tipo. Ela comporta melhor partidos como o PTB ou o MDB mesmo, mais do que homogênea, que sejam confederações de partidos. Mais elásticos do que rijos, porem não tão frouxos que comportem tudo. Ele tem que se identificar com o partido dos assalariados e não dos poderosos.
Na formulação teórica dos novos partidos não esta havendo um cegueira?
Imensa, a meu ver. E isso deriva da ideia de que estamos na Europa e não nessa América contraditória. Imagine que a discussão se faz assim: isso pode ser uma social democracia ou um partido bolchevique? Nem social democracia nem bolchevique. Social democracia supõe a existência de uma burguesia prospera, de um Estado que não esteja controlando os setores importantes dos sistema produtivo, com uma classe trabalhadora também ampla e poderosa que possa fazer uma aliança com a burguesia. Não temos nada disso. Por outro lado, como um partido bolchevique? Qual é a classe social que esta disposta a suportar esse tipo de transformação rápida de cima para baixo, controlada por um grupo de quadros que tem a noção do que é conceito da classe e do futuro, e que se não for aceita impõe esse conceito pela forca.
E qual é a saída, pelo menos teórica, para o impasse?
Eu acho que só há saída teórica depois que houver saída pratica. Isso é que é a tragédia da intelligentsia. Será que é possível criar um partido que seja democrático nos seus métodos, e socialista no seu horizonte? Um partido que não venha com a ideia pré-fabricada, mas que esteja disposto a discutir com vários grupos, que aceite a critica da base da sociedade e das sociedades de base? O que é isso? A primeira questão é discutir como vai ser o Estado. Quem vai controlar esse Estado? De que maneira? Qualquer outra coisa seria um voluntarismo intelectualoide. Dizer: tem que ser confiscado isso e aquilo, é coisa para quem quer falar sozinho. Ninguém vai te apoiar nisso. Nessa teoria, você pode apaziguar a consciência, mas não move uma perna.
E qual seria a distinção entre o desempenho dos intelectuais e da classe operaria?
O papel do intelectual não deve nem pode ser muito mais do que tentar articular as grandes linhas para serem submetidas ao debate. Eu acho muito perigoso quando um intelectual se supõe líder, pensa que ele substitui o pensamento efetivo das classes. Isso da autoritarismo. Quando você esta convencido de que você sabe, você vai impor ao outro que você sabe. E o intelectual, quase por profissão, é o homem que pensa que sabe. Então, deve ter uma participação ampla, mas controlada. O decisivo não pode ser dado por ele, deve ser dado pelos trabalhadores, pelas associações de bairro, pelos sindicatos, pelas igrejas etc., etc., numa interação que controla a intelectualidade.
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