Um filme que não veria normalmente e me pegou em um momento oportuno, O Último Poema me derrubou num sábado de manhã. A película de 2015 conta a história da troca de cartas entre Helena Maria Balbinot, uma garota e depois professora, e o poeta Carlos Drummond de Andrade.
É um filme sobre a vida interior de uma garota, depois mulher, esposa, professora, mãe e avó. Desde criança é apaixonada por poesia, principalmente Drummond. A mãe acha bobagem o entusiasmo infantil da filha por aqueles escritos. Uma professora prefere outra autora.
A menina, então, escreve ao poeta para dizer o que se passava. Ele responde. E responderá todas as outras cartas ao longo dos anos. E Helena Maria fica boba porque, no entender dela, um poeta famoso não precisava dar vazão aos anseios de uma garota do interior do Rio Grande do Sul:
“Eu pensava puxa… o poeta que ele é. E ele responde pra mim aqui no interior… professora primária. E ele, com essa sensibilidade, com essa disponibilidade de responder. De ser tão querido que ele foi. Que eu ficava muito feliz. Sempre fiquei.”
O filme é intercalado por cenas lindas de Guaporé e do Rio de Janeiro, onde Drummond morou depois de sair de Minas Gerais. É uma fotografia quase onírica.
Há atrizes que se fazem de Helena para compor essas imagens e para recitar alguns poemas. Há também um ator que se faz de Drummond de uma maneira muito digna. A música, muito bem escolhida permeia tudo.
Durante o filme ela conta da própria vida, como vira estudante normalista, depois se casa. Planeja cursar filosofia, mas o sonho é adiado a pedido do marido. Seria uma vida como todas as outras (ela se diz grata pelo marido e filhos), mas Helena Maria consegue dar tanta atenção à própria vida interior que o espectador não deixa de se simpatizar com ela. Entendi que ela credita essa capacidade de prestar atenção a vida interior ao Drummond.
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa as formas naturais.
Se fosse outra hora do dia ou outro dia, talvez não prestasse atenção ao delicado filme. Talvez dividisse a minha atenção com o celular, sempre em mãos. Sorte que não foi o caso.
Helena Maria até arriscou textos próprios, mas, ela os relegou ao esquecimento de gavetas e cômodas. E depois ao lixo. Expôs alguns no mural da escola onde trabalhava, mas acreditava que ninguém dava muita atenção. É engraçado pensar que até os livros com fotos de família que ela quer entregar aos filhos, eles não aceitam e dizem que é da mãe. Mas Drummond responde as cartas dela ao longo de 24 anos, se mostra interessado e até dá conselhos.
É uma felicidade para o cinema nacional que a diretora Mirela Kruel quis contar um pouco da história de Helena. Nos momentos finais, eu me debulhei em lágrimas. E estou choroso agora quando lembro da cena final.
Ó o trailer do filme:
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