Esses dias (ontem) revi Clube da Luta, baseado no livro de Chuck Palahniuk. O filme é de 1999 e pode ser visto em outra ótica em 2025, sob a influência da eleição do Trump, Big Techs e tudo mais. Dá pra encarar Tyler Durden, o personagem do Brad Pitt, como uma espécie de algoritmo de rede social radicalizador de Incels (sigla em inglês para Celibatários Involuntários para retratar homens que não conseguem fazer sexo) e MGTOW (Men Going Their Own Way – movimento de homens que deixam a mulher em 2o plano). Isso acontece porque o tema do filme é dissociação da realidade por conta de um individualismo excessivo e dificuldade de comunicação.
Como resume o IMDB, o filme retrata “um trabalhador de escritório e um fabricante de sabonetes formam um clube de luta clandestino que evolui para algo muito maior“.
Tinha 16 anos quando vi no cinema. Pirei. Como constatei ontem, é um filmão. Bem filmado, boa cenografia, excelentes enquadramentos, bons diálogos. Helena Bonhan Carter está excelente no papel de Marla Singer que, mesmo tresloucada, traz a trama pro mundo real. É a pessoa mais sã do filme.
Com 16 anos, pirei nas cenas de luta e no conceito que Tyler vende de frugalidade, autoaperfeiçoamento e anticonsumo. Ainda acredito, de certa forma. Assim como sou fã da banda Pixies até hoje. Mas o personagem de Tyler é claramente tóxico. É o modelo de inspiração do ex-kickboxer e influenciador Andrew Tate – acusado de tráfico de mulheres – e de muitos outros adeptos do movimento masculinista, que pregam a “libertação dos homens” em detrimento das mulheres. Esse movimento ganhou tração em 2010, pouco mais de dez anos depois do lançamento de Clube da Luta.
Uma curiosidade: o movimento masculinista adota o símbolo de Pílula Vermelha (ou Red Pill) por causa do filme Matrix, lançado no mesmo ano de Clube da Luta. Dá pra pensar numa geração de moleques de 15 a 16 anos que cresceram impressionados com esses dois filmes, vibrando com as cenas de ação e sem entender a mensagem.
E as Big Techs?
O filme é anterior às redes sociais. Myspace é de 2003. Orkut e Facebook são de 2004. Twitter é de 2006. Mas o filme retrata uns homens radicalizados pelo Clube da Luta e pela ideologia masculinista e que são apelidados de Space Monkeys, em homenagem aos animais usados como cobaias nas primeiras viagens espaciais.

E Tyler, tal qual um algoritmo de rede social, martela o tempo todo frases de efeito. Ele radicaliza pessoas comuns, que estão em empregos comuns e que almejam uma vida melhor. E quem deu esse poder a ele, foi o Narrador, personagem do Edward Norton.
Acontece a mesma coisa com algoritmos, que nos mostra o que, aparentemente, almejamos e queremos ver nas redes sociais. E somos nós que damos esse poder ao algoritmo ao navegar sem rumo pelas redes, só aceitando o conteúdo que elas nos apresentam. É o tipo de coisa que nos leva a cair em papo de influenciador, por exemplo.
Se a gente deixar, o algoritmo vai nos tratar como Space Monkeys. É o que as Big Techs querem.
E a eleição de Trump?
De certa forma, o discurso de Trump emula Tyler com um quê anti-Big Companies (enquanto, na prática, é o oposto). Ele reclama contra Big Pharmas, as grandes companhias que dominam o setor de saúde nos EUA e no mundo. Suas falas ecoam o individualismo extremo e vazio de Tyler. Ele, junto com seu sidekick Elon Musk, tem um discurso quase anárquico – mas o anarquismo real defende uma maior responsabilidade, tanto individual quanto coletiva, e não apenas a destruição da sociedade organizada como conhecemos.
Ironicamente, o discurso de Trump beira o anticapitalismo, mas só se for o capitalismo mediado pelo Estado – um libertarianismo que, no final, só favorece as Big Companies (incluindo as Big Pharmas). Ele emula Tyler enquanto modelo de individualismo que se sobressai a vontade de outras pessoas.
E isso, para uma boa quantidade de pessoas, é um tanto sexy.
E é um modelo que predomina nas redes sociais. E é uma bola de neve que a gente tem que aprender a lidar enquanto sociedade.
E aí?
E aí que temos que nos comunicar. As coisas só escalam no filme porque Tyler (o algoritmo radicalizador) diz para o Narrador não falar dele, e as atividades dos dois, pra Marla, que representa a vida real. Esse distanciamento da vida “algorítimica” e da vida real, leva a uma disfunção na vida do narrador que degringola tudo ao redor.
Nós, invariavelmente, curtimos quando uma postagem nossa bomba em rede social.
Essa semana li sobre a boa banda portuguesa de rock industrial Maquina, que “só” com 4000 mil ouvintes mensais e “apenas” 10 mil seguidores no Instagram teve a manha de ter uma agenda intensa de shows pela Europa nesse começo de 2025. É de se imaginar que, pelo baixo alcance de redes sociais, não conseguiria tamanho sucesso.
A gente, enquanto comunicador, nos esquecemos que há um descompasso do mundo virtual com o real. E esse descompasso e suas consequências, no final de contas, é a mensagem de Clube da Luta.

Mais duas coisinhas:
- O autor de Clube da Luta, Chuck Palahniul, tá com uma newsletter no Substack;
- Eu curto ver os créditos de atores em papéis secundários em filmes. Descobri que Ravi Cabot-Conyers, de Skeleton Crew, daquela série de Star Wars com crianças, é filho de Christina Cabot, que faz uma ponta em Clube da Luta. É a mediadora do grupo de auto-ajuda do filme que aparece a Chloe. Ele também é o dublador de Antonio, em Encanto.

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