A Grande Leitura · 23 de junho de 2025

Ele Ela – Agosto de 1979: ‘A realidade e o mito da Barra’

Com 22 quilômetros de praias, 132 km² de rios e lagoas, o que atrai irresistivelmente na Barra da Tijuca é o ar lavado e agreste, o tamanho. As praias e dunas desse novo bairro do Rio parecem não ter mais fim e tem-se aquela sensação inusitada nos dias tumultuados de hoje de se estar num mundo intocado, primevo. Assim, o primeiro impulso, quase instintivo, é o de sempre impedir que se faça ali seja o que for. Mas estão fazendo. E o Plano Lúcio Costa, que tem uma proposta de preservação ecológica, depois de 10 anos já mostra fissuras que expõem a dura realidade: não será integralmente cumprido.

Enquanto isto, muitas Barras da Tijuca convivem numa coexistência quase impossível: uma antiga, outra nova; a dos ricos e a dos pobres; a dos moradores e a dos turistas; a dos paraíbas da construção civil è a dos grandes incorporadores; a dos proprietários dos motéis e a dos namorados…

Por Léo Borges Ramos | Fotos de João Poppe

O mapa da cidade do Rio de Janeiro, olhado com alguma imaginação, pode sugerir os contornos de uma serpente que, aprisionada entre o mar e as montanhas, busca ansiosamente uma brecha por onde possa se insinuar. Na linha representada pela serpente, de fato, vivem mais de cinco milhões de pessoas, condenadas a disputar cada metro quadrado do espaço habitável.

A providencial saída, no entanto, sempre esteve na direção da Baixada de Jacarepaguá — 105 quilômetros quadrados de terra plana, matas, lagoas e riachos, que se derramam pelas encoștas das serras da Pedra Branca, dos Pretos Forros e da Carioca até desaguar sobre 22 mil metros de extensão de areia e mar, uma área quatro vezes maior do que toda a Zona Sul carioca incluindo Copacabana, Leme, Ipanema, Leblon, Gávea, Jardim Botânico, Flamengo, Catete, Laranjeiras e Cosme Velho.

Até a década de 50, tudo se conservava quase em seu estado natural, bloqueado pelos maciços da Tijuca e da Pedra Branca, que o isolavam do restante da cidade, permitindo preservar uma reserva excepcional. As belezas naturais dali inspiravam um primeiro impulso, instintivo, de impedir que se fizesse lá seja o que fosse. Mas, por outro lado, parecia evidente que um espaço de tais proporções e tão acessível não poderia continuar indefinidamente imune, teria mesmo de ser, mais cedo ou mais tarde, colonizado.

Com a abertura da auto-estrada Lagoa-Barra, criando-lhe fácil acesso, veio à tona a importância da região, e foi no governo Negrão de Lima que surgiram as primeiras vias e houve a pavimentação das Avenidas Alvorada e das Américas, e o início da construção do Elevado das Bandeiras, ligando São Conrado à Barra.

Assim, na década de 60, a euforia imobiliária e o turismo iriam salpicar, ao longo da Baixada, motéis providenciais, mafuás ruidosos, restaurantes pitorescos, biroscas singelas, clubes aprazíveis e, inevitavelmente, casas e apartamentos residenciais.

O Rio, nessa ocasião, poderia estar assistindo ao lento nascimento de uma nova Copacabana, possivelmente tão patética e congestionada como a original. Eloqüentes campanhas publicitárias – O Rio cresce para a Barra – aceleravam a corrida para a única saída ainda aberta à cidade. Em 1969, foram concluídos os 22 quilômetros de asfalto que acompanham o mar, e com a aceleração das obras da auto-estrada Lagoa-Barra e da Rodovia Rio-Santos, a Baixada parecia definitivamente à mercê de uma predatória invasão, que lembrava a advertência do arquiteto francês Le Corbusier, em 1928, sobre Copacabana: “Vão fabricar uma muralha de egoísta. Todos os que morarem de frente para o mar vão estar bem. Nos fundos, ninguém vai poder desfrutar de nada.”

Era preciso, portanto, disciplinar a ocupação da Barra para evitar o pior, e o escolhido para a tarefa foi Lúcio Costa que, em seu plano, procurou conciliar ao máximo a urbanização com a defesa do meio natural. A idéia de criar núcleos de edifícios entre espaços com outros tipos de ocupação foi uma forma de não sacrificar o agreste, a rusticidade, que é a beleza da Barra: “Os conjuntos de torres, muito afastados, balizam e dão ritmo espacial à paisagem”, justifica-se Lúcio.

Com uma taxa de ocupação de solo extremamente reduzida apenas 10%, intercalando faixas destinadas a prédios altos, baixos e médios, com faixas de prédios uni-familiares (casas e vivendas), áreas próprias para o comércio e serviços públicos em geral, preservando todas as lagoas e os parques adjacentes, calcula-se ser possível abrigar naquela região uma população de dois milhões 500 mil habitantes, sem apertos.

Além disso, o plano de Lúcio, em vez de valorizar as praias, busca aumentar o valor de zonas interiores da região, pelo estabelecimento de limitações de gabarito e incentivos ao uso turístico na orla marítima. Por isso, os núcleos residenciais de serviços foram projetados em áreas internas, preconizando-se em frente à praia uma pequena densidade populacional.

Todas essas soluções vieram ao encontro dos anseios de uma população cada vez mais esmagada pela desordenada concentração urbana, especialmente na Zona Sul, mas arremetidas insistentes vêm sendo conduzidas para que o projeto esqueça seu credo ecológico e desista da previsão original para que 75% do espaço urbano sejam destinados a jardins, árvores, parques e reservas naturais e biológicas. E uma coisa puxa outra: a região é baixa e é preciso aterrá-la para garantir-se o necessário escoamento; em conseqüência, as dunas e certos morros se aplainam em benefício das depressões; os empreendimentos avultam e o lucro se impõe, como é natural no sistema; apesar da imensidão todos se apegam a um artificioso valor do metro quadrado de chão: oneram-se assim os projetos e a qualidade arquitetônica se abstém.

Múcio Athaide e sua firma Desenvolvimento e Engenharia Ltda. foram os primeiros a iniciar a colocação em prática do Plano Lúcio Costa. Fizeram uma espalhafatosa propaganda sobre a construção do Centro da Barra, conhecido também como Athaideville, que contaria com 71 torres (residenciais e comerciais) e serviços de super-mercado, posto de gasolina, feiras internacionais, auditórios para convenções e exposições. Mas o projeto de Múcio emperrou e, até agora, só quatro torres estão sendo construídas, depois de ficarem vários anos paradas as obras devido a uma questão judicial ligada à posse dos terrenos.

A verdade é que existe uma complexa e nebulosa questão de terras na Barra, que remonta ao ano de 1610 e envolve até hoje os herdeiros de um Salvador de Sá. Dos 82 mil metros quadrados urbanizáveis, menos de um décimo possui título de posse devidamente regularizado e grande parte foi ocupada na base da coragem e arame farpado. E aí é que está a vulnerabilidade do Plano Lúcio Costa. Para que qualquer plano urbanístico tenha aplicação efetiva, é preciso que o poder público seja também o proprietário do solo, como aconteceu em Brasília.

Sempre foi tímida, ao longo dos anos, a fiscalização sobre os aterros e construções irregulares em toda a Baixada de Jacarepaguá, principalmente na Barra da Tijuca. As ilhas da Jibóia e dos Coronéis, em pleno canal de ligação entre as lagoas e o mar, são os exemplos mais evidentes. A Estrada do Itanhangá é outro exemplo, apresentando construções que praticamente invadem o que seria o acostamento da via. O bar Rancho Alegre aterrou uma área de aproximadamente 400 metros quadrados, na Estrada do Itanhangá. Em anos anteriores, este mesmo estabelecimento comercial já havia aterrado impunemente uma área de 30 mil metros quadrados, além de erguer edificações entre a estrada e a lagoa.

Muitas das ilhas existentes nas lagoas da Baixada de Jacarepaguá, que por decreto seriam destinadas a atividades de lazer da cidade, têm no momento outras finalidades,

principalmente residenciais e comerciais, a maioria sem títulos de propriedade e sem licença para construção. Tal decreto abrange principalmente as ilhas da Coroa (com 18 mil metros quadrados, situadas na lagoa da Tijuca); a ilha da Jibóia (a maior, com 120 mil metros quadrados); a ilha DNOS-1 (que foi vendida em leilão pelo Serviço de Patrimônio da União, sem edificações, porém com projeto de desmembramento aprovado); ilha Guaiamuns (com edificações); ilha dos Pescadores (onde ergueu-se o Bar dos Pescadores); ilha da Pompeba (na lagoa de Jacarepaguá) e uma série de outras ilhas sem denominação, todas todas pertencentes ao Patrimônio da União.

As irregularidades nas ilhas das lagoas de Jacarepaguá proliferam. No momento não existe nenhuma construção licenciada, e a maior concentração de residências está na ilha da Coroa.

Enquanto se abriam ruas e se construíam casas luxuosas por toda a área, em 1975 surge um grande empreendimento, Nova Ipanema, oferecendo a venda de uma só vez — oito edifícios de 25 andares cada um, no total de mais de 500 apartamentos. Foi o primeiro núcleo integrado ao Plano Lúcio Costa que se completou. O bairro tem mais de 400 mil metros quadrados de área, incluindo 70 mil destinados à implantação de vias urbanas e escola. Compõe-se de quatro setores básicos: setor residencial de alta densidade, setor de comércio e serviços gerais — logo à entrada do bairro, com dois shopping centers e um edifício de escritórios para profissionais liberais; setor residencial de baixa densidade, com 106 lotes com área mínima de mil metros quadrados cada; e espaços comunitários, compostos pelo clube com quadras de vôlei, tênis, basquete, campo de futebol, piscina, sauna, playground, caminhos para pedestres, uma marina que dá para lagoa de Marapendi, e o Colégio Anglo-Americano.

A partir daí, vários outros grandes lançamentos de conjuntos de edifícios, verdadeiros bairros, se lançaram: Atlântico Sul, Riviera dei Fiori, Barramares, Novo Leblon, todos dentro das especificações do Plano Lúcio Costa e, em sua maioria, em fase adiantada de construção.

Os preços dos imóveis variam segundo o local, o tamanho e o que é oferecido como extra ao comprador (piscinas, saunas, praças de esportes, porteiros eletrônicos, lavanderias, salões de chá, circuitos fechados de televisão, serviços de hotel, garagens com porta de comando a distância).

No Atlântico Sul, na Avenida Sernambetiba, os apartamentos com três ou quatro quartos-suíte, piscina-deck nos terraços de 60 metros (de frente para o mar), salão-living, vestíbulo, salão de jantar, biblioteca, bar, dois ou três banheiros sociais, toilette, copa e cozinha, área de serviço, dois quartos e banheiro de empregada, duas ou três vagas na garagem estão sendo vendidos a preços a partir de Cr$ 3.940.000, e a taxa de condomínio está em Cr$ 2.940 mensais.

No Portal da Barra, na Av. Victor Konder, um apartamento em prédio de centro de terreno com varanda, dois quartos (sendo uma suíte), com piscina, playground, salão de festas e jardins, dois banheiros sociais, copa-cozinha e dependências completas e duas vagas de garagem está custando Cr$ 1.870.000.

Existem ainda outras sofisticações como no Barramares, em que, para os moradores do Flat, problemas como faxineiras, camareiras, mordomos, copeiros, garçons, motoristas, secretárias, baby sitters e tudo que se possa imaginar em matéria de serviços domésticos estará resolvido apenas com um toque de telefone. Também por telefone poderão ser encomendadas refeições, café da manhã, bebidinhas e comidinhas, e os serviços de lavanderia e arrumadeiras. Embora exista o receio de que esses serviços todos só funcionarão na fase inicial, os incorporadores estabeleceram um critério administrativo muito organizado através de síndicos de cada edifício e de prefeitos de condomínio para que, uma vez entregue aos moradores, eles pudessem funcionar sem problemas.

Apesar de os cariocas virem sendo submetidos sistematicamente a uma intensa campanha publicitária, desfechada pelas empresas imobiliárias nos mais diversos meios de comunicação e com técnicas de vendas das mais sofisticadas, muitos empreendimentos têm encontrado dificuldade de vender os imóveis. Também alguns dos novos

proprietários não têm conseguido alugar os apartamentos, mesmo a preços abaixo do razoável. Por apenas Cr$ 25 mil mensais, pode-se alugar uma maravilhosa cobertura na beira da praia, com salão, quatro quartos, uma suíte, dois banheiros sociais, vaga para dois carros, piscina, dois terraços, dois quartos de empregada. E uma casa na praia, com dois quartos, sala, banheiro, cozinha e varandão pode ser alugada por apenas Cr$ 12 mil. O aluguel de uma sala comercial no Shopping da Avenida das Américas anda pelos seis a sete mil cruzeiros.

Os moradores que já estão no local há mais de quatro anos consideram que a Barra da Tijuca melhorou muito e já oferece condições para uma vida quase que independente do resto da cidade em termos de serviços como supermercados, farmácias, padarias. O vínculo com os outros bairros, no entanto, ainda continua e vai continuar por muito tempo quanto a lojas, cinemas, teatros e assistência médica e dentária. Mas existem muitas reclamações, como a do engenheiro Altair Reggy:

“Isso aqui é uma porcaria. Como podemos viver num lugar cheio de buracos, poeiras, lama e mosquitos? Nessas ruas não existe menor conservação, não há suspensão de automóvel que agüente essa buracaria.’

O psicólogo Stenio Cardoso também não está satisfeito por ter se mudado para a Barra da Tijuca: “A Barra vai muito mal. Gastei uma fortuna construindo casa aqui, mas vejam as ruas sem calçamento, a poeira, o capim, a lama sujando tudo.”

Enquanto isso, grandes quantidades de lixo são jogadas nos terrenos baldios e mesmo no meio da rua, apesar das placas de proibição colocadas pela Comlurb. Não existe fiscalização, e por isso os terrenos são transformados em vazadouros de lixo e de entulhos das obras da região.

Já Gomes D’Avilla, comerciante de sapatos, tem outra reclamação: o transporte dos empregados, pois são poucos os ônibus e estão sempre lotados, uma vez que o número de veículos não cresceu proporcionalmente ao acréscimo da população. Os ônibus da Amigos Unidos saem, teoricamente, de 15 em 15 minutos, o que, na prática, acaba sempre virando meia hora. Diz também que os táxis são caríssimos e nunca cobram de acordo com a bandeirada.

Nos fins de semana, a Barra da Tijuca se transforma devido aos bares, boates e motéis, e em dias de sol a população triplica e os problemas aumentam na mesma proporção. Aliás, esse sempre foi o grande medo dos moradores do bairro: aos sábados e domingos eles sentem a “copacabanização” da Barra, conforme assegura a psicóloga Ana Elisa: “Estamos aqui por causa da tranqüilidade. E ela existe, em parte, nos dias da semana. Mas aos sábados e domingos isso vira Copacabana. São engarrafamentos quilométricos, restaurantes cheios, preços caríssimos, a praia superlotada, um inferno.”

Essa é também a opinião de Ernesto Teixeira, que mora na Barra desde 1932, e foi garçom na época áurea do Bar Joá:

“Acabou o paraíso e aumentou o movimento. Nos fins de semana os moradores não podem sair de casa, só nos dias úteis. Mesmo assim, a Barra ainda não tem vida própria, a não ser para os donos de bares.”

Junto com sua beleza natural e artificial, a Barra oferece também seus perigos. São constantes os casos de assaltos e é comum ver-se pessoas abandonadas, principalmente mulheres, muitas vezes nuas e sem condições para voltar ao centro da cidade.

“Não faz muito tempo, tive que dar meu avental e alguns panos para um casal que foi roubado” conta Ari, que trabalha em uma carrocinha de sanduíches e pamonha na beira da praia. “Os assaltantes levaram tudo: o carro, os pertences, o dinheiro e a roupa do casal. Aliás, outra coisa bem comum aqui é roubo de automóvel. E sempre aparecem também garotinhas abandonadas pelos companheiros.”

Ferreira, há seis anos com uma carrocinha naquele ponto, dorme ali mesmo todas as noites, e conta dezenas de histórias de assaltos: “Há poucos dias tomaram uma Brasília, deram uma coronhada no rapaz e levaram a moça.

A 16a Delegacia de Polícia, que cobre a área, não divulga as estatísticas, mas os policiais reconhecem que é alto o número de assaltos e arrombamentos das casas do bairro. Nos fins de semana, as ocorrências mais freqüentes são furtos de carteira, roubos de automóveis e a constante ação dos ladrões de praia.

Os adeptos da corrida de submarino (namoro dentro do carro) formam uma classe unida. Quase instantaneamente, estabelece-se a cumplicidade entre eles. Nos fins de semana a corrida recebe mais de três mil carros que ficam alinhados em toda a faixa do litoral. Mas quando um carro está muito distanciado do grupo, é imediatamente alertado pela polícia e procura um lugar mais movimentado para evitar os possíveis assaltos.

Muita gente, no entanto, muda para a Barra não apenas geograficamente, mas na forma de viver, curtindo os espaços, a praia, e a natureza com a família. O médico Carlos Souza é um deles e explica: “Aqui na Barra, creio estar dando a meus filhos a infância que só foi possível no Rio de muito tempo atrás. Para as crianças, esse tipo de vida é ótimo. Para a gente, às vezes é um pouco cansativo. Nosso centro de abastecimento mais próximo é o Carrefour, mas fica um pouco longe.

Quanto aos problemas de congestionamento do trânsito, o DER tem executado dezenas de projetos que, se não acabaram com os engarrafamentos nos dias críticos, pelo menos amenizaram o desgaste do ir e vir. Mas um dos maiores problemas é o fluxo imprevisível de tráfego. Se há um evento no Rio-Centro, 10 mil veículos a mais circulam por ali e a capacidade das vias é muito menor.

Apesar das queixas e reclamações, comercialmente a Barra até que já pode oferecer algumas opções que atendem às necessidades do cotidiano doméstico, na decoração, no vestuário, na alimentação e até nos presentes. Ali já existem cinco açougues, sete automecânicos, 14 aviculturas, cinco bazares, quatro borracheiros, quatro butiques, cinco cabeleireiros, dois canis, quatro casas de saúde, 21 clubes, três consultórios dentários, duas farmácias, duas lavanderias, duas peixarias, três pensões, 19 postos de gasolina, três supermercados, uma veterinária.

O centro da Barra concentra a maior parte do comércio local. Nele estão 20 das bancas de jornal, as três sorveterias, os três pontos de táxi, quatro das lojas de material para manutenção de piscinas, a peixaria, as 10 quadras de tênis que funcionam por aluguel, as lavanderias e a creche infantil.

É significativo, também, o número de instituições de ensino cujas sucursais foram construídas ou estão em final de construção nos três últimos anos: colégios Anglo-

Americano, Veiga de Almeida, Santo Agostinho e British School. E num terreno de 468 mil metros quadrados, a Universidade Nuno Lisboa está instalando o seu campus.

Quanto à assistência médica, o Hospital Dispensário Lourenço Jorge tem parcos recursos, e os casos mais graves são levados às pressas para o Hospital Miguel Couto, no Leblon. O Salvamar, com média de atendimento no verão de 270 afogados por dia, em matéria de equipamentos e eficiência chega a superar o próprio hospital, pois tem eletrocardiógrafo, desfibrilador, cardioscópio, equipamentos de oxigênio.

Uma das grandes atrações da Barra da Tijuca ainda são os bares. Apesar de um pouco caros, garçons são especialmente amáveis: escolhem o menu, discutem os temperos, selecionam as melhores mesas para cada grupo. Guaiamum cozido, casquinhas de siri e ostras frescas são as grandes atrações desses barzinhos informais. Isentos de decoração, quase sempre ao livre, são muito gostosos nas noites. de verão, quando não bate o vento sudoeste.

A cozinha italiana está muito bem representada na Barra: a Pizzaria Raul, o La Mole e o Tarantela servem massas e carnes, sendo que a Raul utiliza forno a lenha para dar o toque especial às pizzas e calzonis. Os peixes, segundo os moradores locais, são melhores no Farol da Barra, na Avenida Sernambetiba. Além destes, existem churrascarias, lanchonetes, restaurantes de comidas árabes e chinesas.

Há discoteques também, e as melhores são a sofisticadíssima Dimple’s, a Dimensão (anexa ao Farol da Barra, que possui também um alinhado piano-bar) e a Super Star (da Nau Catarineta, um lugar muito gostoso de se comer, beber e levar aquele papo).

Quem chega ao Largo da Barra pela Rua Maria Luiza Pitanga numa sexta ou sábado à noite, vai logo encontrar grupos sambando na calçada do Bar Cafofo, de Emílio Farah, ao som do grupo Misto Quente. Farah é uma figura conhecida no Rio inteiro devido às festas sua casa com que promove em piscina todos os sábados, no Joá. Há um rateio de despesas que chega a cerca de Cr$ 300 por casal.

Ali perto, fica também o Restaurante Bar Gôndola, com quatro salões e uma ampla varanda à beira da lagoa da Tijuca – com mangueiras cheirosas no pátio garçons vestidos à gaúcha servem refeições em qualquer dos salões.

Logo à frente, no Largo, está o tradicional Bar do Osvaldo, famoso por suas batidas e tira-gostos. Osvaldo mudou-se para a Barra em 1946, quando ali só havia mangue e febre malária. Ele foi o primeiro a erguer uma construção em alvenaria. Nos seus 64 anos, Osvaldo confessa ter vergonha de aumentar preços, e não se preocupa com o lucro.

“Na minha idade eu quero é viver. Bem que gostaria de parar de trabalhar, mas tenho medo da inflação comer meu capital.”

Depois Osvaldo faz uma queixa: “Aqui na Barra, as dádivas da natureza não são mais como antigamente. Nos fundos da minha casa havia um lago e já tive robalos de três quilos ali; hoje só tem barrigudinhos. O mar está descendo e a terra subindo. Acho que a água está indo para a Holanda, pois lá sobe uma polegada por ano.”

A maior atração da Barra da Tijuca ainda são os motéis. Seus proprietários são homens arredios e desconfiados. Não gostam de responder a perguntas: preferem o silêncio. São discretos senhores pais de família, nascidos em sua maioria na moralista Espanha.

Desde o início da colonização da Barra, a hotelaria daquelas bandas virou uma instituição tão forte que surgiu uma figura famosa na crônica policial da cidade, o Lima dos mais ou menos Hotéis, personagem mítico, composto de uma porção de gente que nem sequer se chamava Lima nem tinha nada com os hotéis. O fato é que volta e meia prendiam alguém sob a suspeita de ser gerente ou preposto do tal Lima dos Hotéis, que se tornou um capo dei capi da poderosa e invisível máfia dos albergues onde o carioca amava.

O governo Carlos Lacerda promoveu uma violenta repressão que fechou os hotéis e deixou o carioca na mão. Mas o 25 de abril de 1969 é uma importante data para a sociologia da cidade: um decreto estadual estabeleceu que não cabe ao hospedeiro a obrigação de investigar o estado civil ou a intenção dos casais ou pares que procuram hospedagem. E, assim, acabou a perseguição aos hotéis e começaram a surgir os novos estabelecimentos que um jurista prontamente catalogou como de alta rotatividade. O primeiro deles foi o Holiday, que criou a infraestrutura dos demais hotéis que foram surgindo: quartos com saleta separada, banheiros completos, telefones, luzes de diversas cores, som ambiental e os dois indefectíveis bombons na bandeja que traz a conta final.

Motel Holiday | Crédito: Google Maps

Cronologicamente, a pole position do Holyday é indiscutível, mas o segundo lugar é disputado por vários hotéis e a Barra de repente transformou-se numa mini-Las Vegas de letreiros coloridos e espalhafatosos: La Cache, Center, Serra e Mar, Tourist, Maxim’s, Playboy, Praia Linda, Orly, Rio-Santos, Rio-Mar, Elmo, Hawai, Calypso, Tropical, Hollywood, Summertime, Scorpio, San Remo, Mayflower, Xa-xa-xá, Duna, Tokyo e outros nomes que mostram grande esforço de imaginação.

Em linhas gerais, todos se equivaliam no serviço e conforto. Até que surgiu o King’s, que chegou para reinar e reformulou inclusive alguns conceitos. A começar não era mais um hotel, mas motel, ou seja, um hotel em que, além de dar direito a um aposento, a hospedagem inclui uma garagem. E além do nome e da garagem, o King’s elevou a categoria dos serviços e da decoração.

A rede hoteleira dessa forma reagiu e todos procuraram se adaptar às contingências do mercado de oferta, pois sabiam que a procura continuaria em sadia expansão. E criaram-se as piscinas, as duchas, as camas vibratórias, as suítes presidenciais e as suítes reais, em que o engenho e arte dos decoradores são postos à prova.

No Hawai, as duas suítes têm piscina de água quente (interna) e de água fria (externa, com direito a jardim e deck). A sauna é privativa e confortável. Na cabeceira das camas, há um painel tão complexo como o de uma cabina de comando de um Boeing: através de botões, luzes vermelhas e verdes, pode-se controlar uma infinidade de serviços e requintes.

Os motéis sobrevivem na discrição. Nada de movimentados saguões, filas para preencher fichas, carregadores inconvenientes e elevadores de inevitáveis encontros. O carro passa rapidamente pela portaria, entra no boxe privativo, a porta sanfonada se fecha e então é só subir as escadas e entrar no quarto. Daí em diante, ninguém mais avistará o casal. Nem mesmo os garçons. A circulação pelos mal iluminados corredores é desnecessária. E se se desejar chegar às piscinas coletivas, que muitos deles possuem, conta-se sempre com a evidente cumplicidade dos demais banhistas.

Os motéis cariocas não abrigam apenas adúlteros e jovens impedidos pela força da moral familiar de amar em seus próprios leitos. Não. Com seus espelhos que revelam detalhes inusitados da relação sexual, decoração de maneira a incentivar a imaginação, servem também para quebrar a monotonia da vida conjugal. Centenas de pais de família freqüentam em companhia de suas adoradas esposas. Um deles explica:

– Moro em apartamento e tenho dois filhos. Só me resta vir ao motel porque minha senhora faz muito barulho.

Há quartos que custam desde Cr$ 200 até luxuosas suítes reais de Cr$ 4 mil noite. Uns cobram por períodos fixos – quatro, cinco horas – e pedem um adicional por hora excedente, outros fixam um preço por noite.

A Barra da Tijuca, no entanto, não é só isto. A Barra é também os verdes gramados do Itanhangá Golf Club, os pássaros que saltam pelas árvores, os vendedores de frutas e de trançados. As jacas crescem nos troncos das árvores no meio da rua. A Barra são as casinhas do Portinho do Massaru, concepções do arquiteto Zanini. A Barra são os pescadores eventuais e os que vivem daquilo, jogando suas redes nas águas das lagoas. A Barra são os jacarés, as cegonhas, as garças que descansam em grupos tranqüilos no espelho das águas a poucos metros de um barco que passa. A Barra são os ônibus uruguaios que vendem churros, as casas que vendem plantas e flores, os moleques que oferecem camarão vivo, os casais que andam de pedalinhos. A Barra são os nordestinos da construção civil que ganham Cr$ 10 por hora e levantam os belos condomínios. A Barra são as reuniões da pastoral operária aos domingos na Casa Paroquial, os amoladores de facas, os farofeiros e os remadores de aluguel que atravessam as pessoas de barco. Pois existe a Barra de ontem e a de hoje, a dos turistas e a dos cariocas, a dos que lá moram e a dos que por ali transitam, a ecológica e a Barra poluída, a das casinhas de pescadores nos alagados e a das quadras de tênis dos grandes condomínios.