Formatinho · 26 de março de 2018

mostra de filmes Zanzibar, os Dândis de 68

texto escrito originalmente em 26 de outubro de 2013 em um blog já extinto

Hoje fui na mostra de cinema Os Filmes Zanzibar: Dândis de 68, que está rolando na Caixa Cultura, no Rio de Janeiro, até 3 de novembro. Tô trabalhando na mostra lançando legendas (pros filmes que precisam de legendas). O bacana é que existe pouco material sobre esse movimento (parece que offline só tem um pequeno livro impresso), até mesmo na França, país onde ele se originou, e a mostra vem justamente iluminar um pouco esse período. É a 1a vez que exibem alguns dos filmes, como Deux Fois, que fala bem… aparentemente fala sobre os sentimentos de uma das integrantes do grupo (a Jackie Raynal) sobre o namorado dela na época.

Achei os filmes bem surreais, mas é para eles serem assim. Como me disse um dos organizadores da Mostra, Leonardo Esteves, o mote dos filmes é ser “destruição”. Ou destruição do cinema como entendiam até então. No debate de hoje, a Jackie Raynal falou sobre como o movimento veio a ser, as influencias e os “resultados”. Falou várias outras coisas também, mas que não pesquei.

De uma “operária do cinema”, como ela mesmo se descreveu, Jackie se tornou uma senhora enxuta e lúcida e grande conhecedora do cinema. Ela ajudava na edição dos filmes de cineastas como Godard quando foi convidada a participar do grupo Zanzibar. Pelo que eu entendi, o movimento começou com uma proposta de um bancário francês, que queria financiar jovens cineastas. Quando ele viu o resultado do 1o filme (muito experimental), ficou um decepcionado. Mas a irmã dele, Sylvina Boissonnas (que aparece em pelo menos um dos filmes) decide continuar a financiar esse grupo de artistas, como Philippe Garrel, e passou a atuar como uma mecenas.

De 1968 a 1970, produziram cerca de 15 filmes. Em um ano, filmaram 3 longa-metragens, o que é quase insano para os padrões de hoje. Uma das influencias dos caras era a The Factory, do Andy Warhol. Outra influência era a mescalina e outras drogas, segundo a própria Jackie. “Naquela época as drogas eram de graça. Nos davam as drogas. Quase todas vinham da Inglaterra. E não era como hoje, que há envolvimento com traficantes armados”. Ela lembra como uma época maravilhosa, pois ainda não existia a AIDS.

Eles filmaram alguns dos acontecimentos do movimento estudantil de maio de 1968 e colocaram em seus filmes. Exibiram alguns desses filmes para trabalhadores nas próprias fábricas onde trabalhavam. Exibiam as películas também em escolas e museus.

Parece que só conseguiram esse acesso e distribuição graças aos esforços da Sylvina. Também havia a facilidade de terem filmado em formato Super-8, o que, aparentemente, facilita e agiliza na hora de editar. Como hoje em dia, o imediatismo também era importante para alguns cineastas, como disse Jackie no debate ao responder uma pergunta sobre redes sociais(acho que era uma referência ao Mídia Ninja e similares). Eles também conseguiam acesso maior aos protestos, pois um dos integrantes tinha um carrão (acho que um Jaguar, não sei). Por causa do carro, “os policiais os confundiam com ricos” e deixavam eles passar pelo bloqueio que faziam aos manifestantes de 68. (Que coisa isso)

Com a ajuda financeira de Sylvina, passaram a filmar em 35mm. Isso garantiu uma qualidade maior para as filmagens, mas que dificultou a distribuição, já que existiam lugares na França com capacidade de exibir um filme rodados em 35mm. No meio disso tudo, fizeram vários filmes. Jackie se lembra quando foi exibir o Deux Fois pela 1a vez, para operários e pessoas de classe-média, classe média baixa. As pessoas riram, gargalhavam. Ela se perguntou se o que eles estavam fazendo estava tão distante assim da realidade deles — em uma das cenas, Jackie urina na própria meia-calça. Os festivais, por outro lado, os receberam muito bem. Mas muitos diretores pararam de trabalhar com Jackie, porque aparentemente “ela tinha enlouquecido”.

Pelo que eu entendi, o fim do movimento ocorreu quando vários integrantes começaram a seguir o próprio caminho. Uns viajaram para a Índia (era moda na época, por causa dos Beatles) e outros do grupo foram para Zanzibar, na África, acompanhados por um Mangusto (uma espécie de furão) que ia comendo os insetos no caminho.

No final, cada um foi prum canto. Uns caíram em Artes Plásticas, outros continuaram fazendo filmes e um (o Patrick Deval) virou muçulmano durante a viagem a Zanzibar e largou as artes. Jackie ficou bem abalada com o grupo Zanzibar, “como acontece nesses movimentos independentes, quando se mistura demais o trabalho e a vida pessoal”. Ela vendeu o único bem que tinha, um apartamento, e foi com Sylvina em direção à costa oeste dos EUA para viver como os hippies. Parece que ficou lá até pouco tempo atrás. Agora vive na França. Nunca tinha vido ao Brasil, mas conhecia os filmes de Glauber Rocha e outros, através de Godard.

Durante o debate, ela respondeu algumas perguntas dos organizadores e da plateia. Um espectador assinalou que gostou muito como ela usou o som no Deux Fois (muito silêncio, pouco diálogo e sonoplastia pertubadora). Ela agradeceu os elogios e disse na época que atuava editando e montando os filmes, percebeu que “o som é a metade da imagem de um filme”. Ela falou da influência e dos resultados do movimento Zanzibar. Disse que o movimento gerou frutos mais nas Artes Plásticas, mas não deu detalhes disso. Disse que em 1968 os festivais de cinema ousavam mais, abriam mais as portas para filmes inovadores e experimentais e “hoje exibem Tarantino”. Engraçado que nego que gosta de Tarantino não se acha careta, pelo contrário.

Jackie respondeu também uma pergunta minha. Perguntei sobre a diferença da dinâmica entre o mecenato de Sylvina e o crowdfunding. Ela disse que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sylvina era mais que uma mecenas, atuava também dando todo o apoio necessário, ajudando na distribuição e exibição dos filmes. Ela critica também o fato do crowdfunding exigir uma contrapartida dos contribuintes. “Se fulano quisesse fazer um filme para três ou quatro pessoas, ele ia lá e fazia. Não tinha que responder a ninguém”. Ela conta que um dos participantes do movimento Zanzibar se alegrava quando as pessoas abandonavam a sala de cinema, que ficava vazia.

Para Jackie, o crowdfunding é algo fechado em si mesmo. Não ajuda a criar um sistema de distribuição, nem nada. Não ajuda ir além. É uma observação pertinente pra algo que nego considera que é a salvação da lavoura. Não concordo muito com o que ela diz, mas entendi que se não houver algo além do financiamento, se não houver uma participação real das pessoas com a arte e com o que elas consideram interessante, não vai haver vaquinha que dê conta. Eu tinha várias perguntas a fazer para ela (se ela assiste filmes no Youtube, por exemplo), mas o tempo era curto e não deu para falar tudo. Valeu pela conversa.

* em tempo, me acharam parecido com o Jean Paul Belmondo. Acho que não sou tão narigudo ou charmoso assim.